terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

O Diário

“Querido diário – escrevia Lea nas páginas rosadas de seu perfumado caderninho -, hoje, mais uma vez não me contive e falei tudo o que queria, mas não podia falar. Como sempre, fiz inimigos, desfiz amizades e acabei com o resto da vida social que tinha...”. Quando a inspiração afluía para uma direção desconhecida, porém muito querida, a caneta – a qual era guardada cuidadosamente sobre o livrete todas as noites –, como numa conspiração parou de funcionar. Pior que a indignação resultante da interrupção que teve em seus pensamentos, fora a surpresa revelada em olhares e expressões de Lea quando palavras surgiam ininterruptamente em meio às páginas.

Pensou estar alucinando, afinal não seria a primeira vez. Até tentou esfregar os olhos, fechar e reabrir o diário e por último arrancar as páginas as quais os vocábulos surgiam, mas nada adiantava. Era como um filme de animação, onde a solitária criança em seu quarto tem visões que se contadas, seriam motivo para muitas risadas. Vendo que “nadar contra a correnteza” não mais adiantava, resolveu seguir as palavras para ver se fariam algum sentido.

A surpresa – pela segunda vez – e o êxtase foram notáveis, xingamentos e críticas negativas quanto a Lea surgiam como se fosse sua melhor amiga proferindo palavras desagradáveis em relação às atitudes que a garota vinha tomando. A letra lhe era familiar, parecia realmente a caligrafia de alguém próximo, não poderia estar tão paranóica. Pensou até ser um espírito – já lera algo a respeito -, foi então que questionou quem estava ali, mas nenhuma resposta veio à tona. Desesperada, tentava chamar sua mãe, mas quando correu para a porta já não estava em seu quarto, era um lugar vibrante, encantador, mas ao mesmo tempo a amedrontava.

Horas se passaram – pareciam horas ao menos – e não aguentava mais ler tantos defeitos e tantas coisas ruins a seu respeito. Neste instante surgiu uma fogueira ao fundo do que uma vez fora seu quarto, e sem pensar muito, Lea correu ao encontro da chama e lançou suas memórias escritas como uma última esperança... Léo acordou no acostamento da BR-116, sob uma placa. Ao levantar não entendia o que estava acontecendo, principalmente por estar trajado com uma saia; foi então que olhou para o chão e um sorriso tímido surgiu no canto de sua boca, abaixou e catou os dois frascos vazios de Vicodin que estavam aos seus pés. A partir daquele momento não teve dúvidas, passou a relatar tudo em um caderno, não era nem de perto um caderninho perfumado e rosado, mas o satisfazia mesmo assim. Léo jamais seria o mesmo.

4 comentários:

  1. A psicodelia congênita tornou-se banal, e ao que se nota, um sonho desses torna-se páreo para a surrealidade da Alice em seu País das Maravilhas.
    Belo texto, e a escrita está se torando cada vez mais rebuscada. Parabéns, Sr. Strauss.

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  2. Valeu, agradeço mais uma vez por acompanhar aquilo que escrevo por aqui - seja bom ou ruim. Vindo de ti as críticas sempre são bem vindas, sejam positivas ou negativas, sendo essas positivas que se encontram no comentário fico ainda mais contente.
    Grato!

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  3. Surrealidade ao meu ver honesta, puro, intrínseca; sem chances de adulteração, distorção ou falsificação.
    Belo conto : para muitos tolo, irracional, piegas; para poucos - imagino que seja o público alvo - educativo, inspirativo e necessário.
    Muito bom. Faz bem ler seus textos.

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  4. Valeu! É sempre um prazer ter leitores assim. É sempre bom inspirar e instigar a leitura. Aqui o que vale é a qualidade, e com certeza os poucos que acompanham meus textos são dignos do tempo que passo escrevendo-os. Muito obrigado por acompanhar o Blog!

    Abraços

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