“Querido diário – escrevia Lea nas páginas rosadas de seu perfumado caderninho -, hoje, mais uma vez não me contive e falei tudo o que queria, mas não podia falar. Como sempre, fiz inimigos, desfiz amizades e acabei com o resto da vida social que tinha...”. Quando a inspiração afluía para uma direção desconhecida, porém muito querida, a caneta – a qual era guardada cuidadosamente sobre o livrete todas as noites –, como numa conspiração parou de funcionar. Pior que a indignação resultante da interrupção que teve em seus pensamentos, fora a surpresa revelada em olhares e expressões de Lea quando palavras surgiam ininterruptamente em meio às páginas.
Pensou estar alucinando, afinal não seria a primeira vez. Até tentou esfregar os olhos, fechar e reabrir o diário e por último arrancar as páginas as quais os vocábulos surgiam, mas nada adiantava. Era como um filme de animação, onde a solitária criança em seu quarto tem visões que se contadas, seriam motivo para muitas risadas. Vendo que “nadar contra a correnteza” não mais adiantava, resolveu seguir as palavras para ver se fariam algum sentido.
A surpresa – pela segunda vez – e o êxtase foram notáveis, xingamentos e críticas negativas quanto a Lea surgiam como se fosse sua melhor amiga proferindo palavras desagradáveis em relação às atitudes que a garota vinha tomando. A letra lhe era familiar, parecia realmente a caligrafia de alguém próximo, não poderia estar tão paranóica. Pensou até ser um espírito – já lera algo a respeito -, foi então que questionou quem estava ali, mas nenhuma resposta veio à tona. Desesperada, tentava chamar sua mãe, mas quando correu para a porta já não estava em seu quarto, era um lugar vibrante, encantador, mas ao mesmo tempo a amedrontava.
Horas se passaram – pareciam horas ao menos – e não aguentava mais ler tantos defeitos e tantas coisas ruins a seu respeito. Neste instante surgiu uma fogueira ao fundo do que uma vez fora seu quarto, e sem pensar muito, Lea correu ao encontro da chama e lançou suas memórias escritas como uma última esperança... Léo acordou no acostamento da BR-116, sob uma placa. Ao levantar não entendia o que estava acontecendo, principalmente por estar trajado com uma saia; foi então que olhou para o chão e um sorriso tímido surgiu no canto de sua boca, abaixou e catou os dois frascos vazios de Vicodin que estavam aos seus pés. A partir daquele momento não teve dúvidas, passou a relatar tudo em um caderno, não era nem de perto um caderninho perfumado e rosado, mas o satisfazia mesmo assim. Léo jamais seria o mesmo.