Berta, esse era seu nome. Uma garota tão simpática, igual a vereador perto de eleição municipal. Sua simpatia não mudava o fato de ser órfã. Uma criança órfã de pai e mãe, acostumada desde sempre a ausência de ambos. Para sua felicidade, sempre teve ao lado a vovó, uma pessoa gentil como a neta. Apesar de seus oitenta e cinco anos, a velinha mostrava uma saúde de jovenzinha, praticava ioga e vez que outra dava um teco. A garota estranhava a tranqüilidade que sua avó levava a vida, porém nunca questionara, afinal, o que teria de mal nisso? Berta era uma guria muito esperta, entendia muito da vida, diferente do que todos pensavam. Comentavam de mais sobre a menina no bairro: - Oh, menina bobinha. Nunca acreditaria se falássemos que sua avó vem aqui comprar ganja. – diziam os chefes do tráfico. Pois é, a cidadezinha era de fato uma cidadezinha. Embora a globalização proporcione uma evolução na sociedade, ali em Bulquérque – bem assim mesmo – a maconha ainda era a droga da vez.
Embora inocente, as más influências de Berta na escola, traziam à tona desejos jamais imaginados por ela. Pensara, certa vez, ser feliz com o pouco que tinha, porém o desconhecido tornava-se cada vez mais querido. Uma menininha, Jana, era seu nome, tornou-se de hora para outra sua melhor amiga. Amiga até de mais; tornou-se um motivo adicional para as fofocas da população. No chimarrão da manhã, não faltava o comentário: e a Berta, ein? Ouvi falar que não gosta da coisa. Tem até uma amiguinha envolvida no caso. Era só a vovó dela chegar perto que todos mudavam de assunto rapidamente; embora a velha estivesse sempre na paranóia do verde, ainda havia respeito entre os conhecidos moradores. Berta realmente era inocente, não sabia as reais intenções de Jana, mas deixava-se levar, afinal o desejo também era despertado ao toque suave de sua amiga.
Certo dia – um sábado de sol, para ser mais preciso – Berta pediu para sua avó que fizesse alguns doces. Queria fazer uma surpresa para Jana. A coleguinha estava doente e não poderia sair de casa no fim de semana. A avó, prontamente se pôs a cozinhar, aproveitou em fazer quantidade a mais, pois a larica estava chegando ao auge. Berta já sabia que Jana estaria sozinha em casa. Seu pai teria que trabalhar, e a mãe também, pelo menos ao que dizia, mas sabia que ia ver um namorado substituto; porém, prometera a ela que jamais contaria para ninguém. De certo modo, Berta nunca gostou de sair sozinha na rua. Apesar de sua inocência, conhecia prontamente todos os perigos que as ruelas sugeriam. Contudo, sua avó pôs-se a dormir assim que terminara os doces, restara como opção andar sozinha até a casa de Jana. Nada de ruim aconteceria. Nunca aconteceu.
Foi-se Berta, saindo de casa com seu shortinho rasgado, sua mini-blusa da Minnie e seu cestinho cheio de doces. A menina era bem conhecida nas proximidades e todos a cumprimentavam. Entretanto, sua pequena amiga, morava em um bairro vizinho, nada de muito longe, porém os rostos conhecidos desapareceram gradualmente. Já havia ido dezenas de vezes à casa de Jana, mas nas outras ocasiões sua avó chamara um táxi. O caminho era bem conhecido, contudo havia algumas ruelas no decorrer do percurso que sempre deixaram a garotinha assustada, e foi numa dessas que um homem se aproximou e pediu o que ela tinha na cestinha. A menina respondeu: - minha avó disse que não posso falar com estranhos! – mas agora a mocinha já falou – retrucou o homem. Ela, sem saber o que dizer, falou que eram apenas alguns doces para sua amiga. – Quer que te acompanhe até a casa dela? O caminho é perigoso para uma garotinha ir sozinha – insistiu o rapaz. A menina sem muita escolha, apenas levantou os ombros, dando a entender que se assim fosse melhor, que fosse. Chegando a casa de Jana, Berta se despediu do rapaz, e com toda sua delicadeza, agradeceu. O homem ainda quis esperar que abrissem a porta, para garantir que a garotinha estaria em segurança; pelo menos era isso que dizia. Jana abriu a porta depois de algum tempo e surpreendeu-se ao ver o tamanho do homem que estava em sua porta. Ao entrar na casa da amiga, Berta surpreendeu-se mais ainda ao ver que o homem seguira os mesmos passos e em pouco tempo estava com as duas dentro da casa. Por esperteza, ou puro acaso, o rapaz viu que as garotinhas estavam sós, e deste modo, não temeu por ninguém.
Já dentro da casa, as coisas começaram a ficar assustadoras. O homem – Eduardo, apresentou-se às meninas – passava a mão em todo o corpo das duas e pedia que se beijassem. Por toda sua inocência, ao menos por parte de Berta, fizeram sem problemas. Jana achou que seria a oportunidade certa para por em prática tudo que sempre quis fazer com Berta. Infelizmente, ou felizmente, as coisas começaram a esquentar. O rapaz pulou de nível. Falou coisas absurdas que as duas deveriam fazer, e se caso não fizessem, iriam ver o que era bom para tosse. Jana gostava daquilo, apesar de ficar um pouco assustada. Berta, por sua vez, queria apagar da memória qualquer tipo de desejo que já havia sentido pela amiguinha. Jurara, em pensamento, jamais pensar algo parecido novamente. Por felicidade, alguém bateu na porta. Todos ficaram em silêncio, olhando uns para os outros, tentando imaginar quem seria. As batidas aumentavam, foi então que o rapaz caminhou até a porta, abriu-a e se deparou com um homem barbudo. Jana logo o identificou, era seu vizinho. Certamente notara algo estranho e resolveu verificar. O senhor barbudo, prontamente pôs-se a perguntar o que o rapaz fazia ali e o mesmo, sem resposta, gaguejava “as” e “és” pra todos os lados. Foi então que, o vizinho de Jana adentrou a porta e com um canivete que carregava no bolso botou o homem desconhecido contra a parede, e o mesmo, agora sem gaguejar, disse que daria quinhentos reais para que tudo fosse esquecido. O velho da barba branca pediu seiscentos para fingir que não viu nada. Então o acordo foi feito. Berta gritou desesperada, mas nada adiantou. Por um lado, Jana ficou com medo, mas desejou cada vez mais sua amiga. Finalmente os três ficaram sós novamente, porém desta vez o homem foi deixado para trás. Berta, com toda sua delicadeza, e o pouco de esperteza que tinha, falou que teria que ir embora. Suas pulseiras foram perdidas e não poderia continuar com aquilo. O homem ficou sem saber o que falar, mas teve que concordar com a mocinha. Sem as pulseiras não dá. Tudo pode, mas se não tiver as pulseiras para arrebentar nem estupro não serve.