sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

I

Acontece que tudo não passa de um desdobramento horrível. Nada é como é e nem será como é pra ser. Afinal de contas, bastava que ela me deixasse em paz. Isso com certeza me deixaria mais tranquilo. O problema é que não conseguia, de jeito nenhum, livrar-me dela. No começo até se compreende, é complicado livrar-se de uma alma que por tanto tempo viveu ali do teu lado, mas um ano depois? Parecia haver uma ligação imensurável, algo maior que a compreensão humana. Decidi procurar alguém que me ajudasse. Folheando o jornal, achei mãe de santo, pai de santo, tio de santo e quantos parentes do santo forem capazes de citar. Nada parecia me agradar.
Passei em frente a um bar, logo após desistir de encontrar em jornais algum ensinamento para a vida. Lá dentro havia algo, mas o dinheiro não chegava. Atravessei a rua e fui direto pra um mercadão, daquelas redes que todo mundo conhece. Lá era mais barato. Um e cinquenta e oito foi o mais barato que achei, mas preferi gastar dezesseis num uísque que só Deus sabe como se concebeu. Mijo de gato com gasolina, provavelmente. Eu só queria ir pra casa e contar uma história pra alguém, foi ai que lembrei que ela fora embora. Fazia um ano? Mais, provavelmente mais. O tempo voa quando se quer apenas parar. Ficava imaginando, se no lugar onde estivesse ainda estaria pensando nos tempos que passamos juntos. Depois de duas doses de uísque, sem gelo, decidi que não. Nem sei por que perdi tanto tempo da minha vida. Minha vida sempre foi uma perca de tempo. Ignorei a garrafa vazia do uísque que fora consumido e aos trancos e barrancos cheguei à cama pra mais uma noite sem ela.
Uma noite sem sonhos, nem pesadelos. Ao acordar não pude deixar de notar a falta dela. Seria preenchida de alguma outra forma? Lembrei do vinho que escondi sob algumas roupas quando eles roubaram minhas coisas. Que eu não encontre esses vagabundos. Depois de duas viradas de vinho, percebi que a geladeira não podia estar mais vazia. Tinha alguns cubos de gelo no congelador e um resquício de suco de laranja. O suco era mais velho que o gelo, com certeza. Não conseguia lembrar muita coisa. Lembrava sobre nada. Tentei ver os fatos da minha infância e nada veio à cabeça. Como se tivesse sido parido ontem. Não seria tão impossível. Lembrei de um rosto; familiar, mas nem tanto. Sai pra dar uma volta e a chuva me surpreendeu me dando o único banho que tomei na semana toda. Eu queria recuperar ela. Essa vida não era vida. Ninguém podia me ajudar, não até o momento.
Fui até o banco e na esperança de conseguir tirar um no caixa eletrônico esbocei um sorriso. Engraçado foi no caminho, uma morena alta, mas feia, nem gorda nem magra, apenas feia, ficou me encarando. Tava com cara de muito acabado? Pensei nela por alguns minutos, mas logo esqueci. Cinquenta e dois reais. Foi a última rapa da minha conta. Talvez conseguisse um empréstimo, alguns trocados só pra matar umas vontades. Fui direto pro mercado. Vi-me no meio de um milhão de desconhecidos com uma cesta na mão. Peguei um uísque melhor que da noite passada e um vinho. Além de três pacotes de bolacha salgada. Joguei todo o troco na mega sena, na esperança de não ganhar pra poder jogar de novo.
Ela continuava na minha cabeça e, infelizmente não tinha jeito de sair. Cheguei em casa e me pus à ligar. A cobrar. Ninguém atendeu. Comecei escrever uma carta e remeti ao endereço dela. Duvido que me responda, quis apenas tentar. Acabei tomando meia garrafa de vinho. Terminei meu dia deitado com pequenos cochilos, no meio tempo que fiquei acordado lembrei-me da morena que me fitara. A feia. Peguei no sono e não quis saber de mais nada.

4 comentários:

  1. Baseado em fatos reais? Tem continuação? Eu quero. ;)

    Beijos, Marco, e um ótimo fim de semana pra ti! =D

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  2. Baseados em fatos reais? Não. Talvez em "micro-fatos-passados", mas não de fato baseado. Se tem continuação? Ainda não. Tomara que sim. Espero, hahahahaha.
    Muito obrigado pela visita.

    Beijo e bom fim de semana pra ti também.

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  3. Aaaah Marco, estes pensamentos compulsivos, também tenho algumas coisas que não saem da minha cabeça, às vezes penso que não sei se realmente quero que eles saiam.

    Boa velho. Abraço

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  4. Elas não precisam sair. Imagina se esquecêssemos tudo que quisessemos esquecer? Seria meio sem graça até. Às vezes precisamos de lembranças ruins; corrijo: sempre precisamos de lembranças "ruins". É a nossa base pra vivermos melhor.

    Valeu pela visita. Abraço

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