Muitas pessoas rezam pra se livrarem do mal que as perseguem. Rezam pra não serem roubadas, pra não morrerem e não perderem um braço enquanto atravessam a rua. Eu apenas espero que aconteça. Mas nem tudo era só desgraça, quando a minha cabeça não está para explodir, minhas manhãs são bem rentáveis. Embora tenha bebido algumas misturas noite passada, acordei incrivelmente bem. Ainda não conseguia tira da cabeça a feia do dia anterior, aquela aberração me vinha de minuto em minuto. Pensei em tudo mais, até esquecer. Manhã nublada, sem dor de cabeça só ficaria melhor depois de tomar um café com leite e alguns salgados na padaria rotineira. Pedi que pendurasse na conta, como fazia todo dia. Dessa vez foi diferente. Fui ao banheiro e quando voltei não vi ninguém, olhei pro chão e todos estavam estirados com a mão na cabeça. Era igual filme de ação. Cheguei a esboçar um sorriso, quando um filho da puta me catou o pescoço e, antes que eu percebesse, estava mais caído que todo o resto.
Tava tudo tranquilo, eram três encapuzados, mas não estavam roubando meu dinheiro. Era apenas um pouco de ação pra apimentar meu dia. O azar foi que um deles, o mais tapado, inventou de levantar o capuz. Logo tomou um supetão do mais mandão e baixou aquela merda, mas não foi rápido o suficiente. Meus olhos perceberam direitinho quem era. Eu perdi cento e alguma coisa naquela noite. Levaram-me o dinheiro e comeram o resto de comida que tinha nos armários. Eu falei que ia pegar esses bastardos. Levantei tranquilamente e me dirigi pro que parecia ser o chefe da trupe. Não demorou muito pra que me apontasse aquele cano furado, o pior é que era de plástico, com certeza era também no dia que invadiram meu apartamento. Eu era um fodido. Taquei a mão no meio da fuça dele. Foi nessa hora que percebi uns dois ou três clientes, dos mais covardes se esvaindo pela porta. Continuei batendo no palhaço. A raiva, por ora, havia me tomado de tal forma que nem pensei naqueles outros dois comparsas dele. Nem deu tempo. Uma cadeira quebrou na minha nuca e a última coisa que vi, foram dois ou três pés vindos em direção ao meu nariz.
Não sei o tempo que se passou, mas me acordaram na hora mais inconveniente possível. Sonhava com ela, o pior é que a feia, aquela do outro dia, estava no sonho. Não gostei nada disso. Ambas ali, em minha frente e a tensão não me deixava ver o que poderia acontecer. Um espirro de água na minha cara apagou qualquer imagem que já tivera das duas mulheres. Pra meu espanto eu ainda estava jogado na padaria. Vi dois pés ao meu lado e uma vassoura. A bagunça fora feia. Nada que não estivesse acostumado. Levantei e sem ver quem havia me acordado, sai porta afora. Acho que tinha me livrado de pagar a conta. Ou será que lembraram de anotar no caderninho?
Fui pra casa, era a única coisa que me restava fazer. Passava do meio dia, o que significava que fiquei algumas horas apagado. A dor de cabeça só me fazia pensar em tomar alguma coisa, mas para meu espanto a secura na garganta não pedia por álcool, não desta vez. Servi um copo de água e tomei alguns goles. Tentei cochilar e voltar à visão dela. Nada veio. Nada além do correio, uma resposta. Finalmente uma resposta. Tinha um telefone e um endereço. Dizia pra entrar em contato a partir do próximo dia. Hoje era vinte e três, não lembro o mês, mas era inverno. Dia vinte e quatro seria memorável. Seria uma reconciliação? Gostaria que fosse. Fazia tempo, mas ainda não esquecera o cheiro que deixava na minha roupa de cama. O fedor do meu apartamento sumia só de tê-la ali. Eu comi alguma coisa que achei na despensa. Esperei o próximo dia olhando algo. Não sei o quê, apenas olhava alguma coisa. No final das contas lembrei-me dela de novo, não dela, mas da feia. A feia do outro dia. Ela não saía da minha cabeça. Talvez fosse a necessidade, precisava de uma mulher urgentemente, mas não da feia. A feia era dose, mas em último caso até servia. Amanhã eu a esqueceria. Esperava esquecer. Nada de importante aconteceu durante o resto do dia. Minha luz havia sido cortada. Somente isso. Amanhã tudo melhoraria.