sexta-feira, 28 de maio de 2010

Era uma vez - Tempos modernos I

Berta, esse era seu nome. Uma garota tão simpática, igual a vereador perto de eleição municipal. Sua simpatia não mudava o fato de ser órfã. Uma criança órfã de pai e mãe, acostumada desde sempre a ausência de ambos. Para sua felicidade, sempre teve ao lado a vovó, uma pessoa gentil como a neta. Apesar de seus oitenta e cinco anos, a velinha mostrava uma saúde de jovenzinha, praticava ioga e vez que outra dava um teco. A garota estranhava a tranqüilidade que sua avó levava a vida, porém nunca questionara, afinal, o que teria de mal nisso? Berta era uma guria muito esperta, entendia muito da vida, diferente do que todos pensavam. Comentavam de mais sobre a menina no bairro: - Oh, menina bobinha. Nunca acreditaria se falássemos que sua avó vem aqui comprar ganja. – diziam os chefes do tráfico. Pois é, a cidadezinha era de fato uma cidadezinha. Embora a globalização proporcione uma evolução na sociedade, ali em Bulquérque – bem assim mesmo – a maconha ainda era a droga da vez.

Embora inocente, as más influências de Berta na escola, traziam à tona desejos jamais imaginados por ela. Pensara, certa vez, ser feliz com o pouco que tinha, porém o desconhecido tornava-se cada vez mais querido. Uma menininha, Jana, era seu nome, tornou-se de hora para outra sua melhor amiga. Amiga até de mais; tornou-se um motivo adicional para as fofocas da população. No chimarrão da manhã, não faltava o comentário: e a Berta, ein? Ouvi falar que não gosta da coisa. Tem até uma amiguinha envolvida no caso. Era só a vovó dela chegar perto que todos mudavam de assunto rapidamente; embora a velha estivesse sempre na paranóia do verde, ainda havia respeito entre os conhecidos moradores. Berta realmente era inocente, não sabia as reais intenções de Jana, mas deixava-se levar, afinal o desejo também era despertado ao toque suave de sua amiga.

Certo dia – um sábado de sol, para ser mais preciso – Berta pediu para sua avó que fizesse alguns doces. Queria fazer uma surpresa para Jana. A coleguinha estava doente e não poderia sair de casa no fim de semana. A avó, prontamente se pôs a cozinhar, aproveitou em fazer quantidade a mais, pois a larica estava chegando ao auge. Berta já sabia que Jana estaria sozinha em casa. Seu pai teria que trabalhar, e a mãe também, pelo menos ao que dizia, mas sabia que ia ver um namorado substituto; porém, prometera a ela que jamais contaria para ninguém. De certo modo, Berta nunca gostou de sair sozinha na rua. Apesar de sua inocência, conhecia prontamente todos os perigos que as ruelas sugeriam. Contudo, sua avó pôs-se a dormir assim que terminara os doces, restara como opção andar sozinha até a casa de Jana. Nada de ruim aconteceria. Nunca aconteceu.

Foi-se Berta, saindo de casa com seu shortinho rasgado, sua mini-blusa da Minnie e seu cestinho cheio de doces. A menina era bem conhecida nas proximidades e todos a cumprimentavam. Entretanto, sua pequena amiga, morava em um bairro vizinho, nada de muito longe, porém os rostos conhecidos desapareceram gradualmente. Já havia ido dezenas de vezes à casa de Jana, mas nas outras ocasiões sua avó chamara um táxi. O caminho era bem conhecido, contudo havia algumas ruelas no decorrer do percurso que sempre deixaram a garotinha assustada, e foi numa dessas que um homem se aproximou e pediu o que ela tinha na cestinha. A menina respondeu: - minha avó disse que não posso falar com estranhos! – mas agora a mocinha já falou – retrucou o homem. Ela, sem saber o que dizer, falou que eram apenas alguns doces para sua amiga. – Quer que te acompanhe até a casa dela? O caminho é perigoso para uma garotinha ir sozinha – insistiu o rapaz. A menina sem muita escolha, apenas levantou os ombros, dando a entender que se assim fosse melhor, que fosse. Chegando a casa de Jana, Berta se despediu do rapaz, e com toda sua delicadeza, agradeceu. O homem ainda quis esperar que abrissem a porta, para garantir que a garotinha estaria em segurança; pelo menos era isso que dizia. Jana abriu a porta depois de algum tempo e surpreendeu-se ao ver o tamanho do homem que estava em sua porta. Ao entrar na casa da amiga, Berta surpreendeu-se mais ainda ao ver que o homem seguira os mesmos passos e em pouco tempo estava com as duas dentro da casa. Por esperteza, ou puro acaso, o rapaz viu que as garotinhas estavam sós, e deste modo, não temeu por ninguém.

Já dentro da casa, as coisas começaram a ficar assustadoras. O homem – Eduardo, apresentou-se às meninas – passava a mão em todo o corpo das duas e pedia que se beijassem. Por toda sua inocência, ao menos por parte de Berta, fizeram sem problemas. Jana achou que seria a oportunidade certa para por em prática tudo que sempre quis fazer com Berta. Infelizmente, ou felizmente, as coisas começaram a esquentar. O rapaz pulou de nível. Falou coisas absurdas que as duas deveriam fazer, e se caso não fizessem, iriam ver o que era bom para tosse. Jana gostava daquilo, apesar de ficar um pouco assustada. Berta, por sua vez, queria apagar da memória qualquer tipo de desejo que já havia sentido pela amiguinha. Jurara, em pensamento, jamais pensar algo parecido novamente. Por felicidade, alguém bateu na porta. Todos ficaram em silêncio, olhando uns para os outros, tentando imaginar quem seria. As batidas aumentavam, foi então que o rapaz caminhou até a porta, abriu-a e se deparou com um homem barbudo. Jana logo o identificou, era seu vizinho. Certamente notara algo estranho e resolveu verificar. O senhor barbudo, prontamente pôs-se a perguntar o que o rapaz fazia ali e o mesmo, sem resposta, gaguejava “as” e “és” pra todos os lados. Foi então que, o vizinho de Jana adentrou a porta e com um canivete que carregava no bolso botou o homem desconhecido contra a parede, e o mesmo, agora sem gaguejar, disse que daria quinhentos reais para que tudo fosse esquecido. O velho da barba branca pediu seiscentos para fingir que não viu nada. Então o acordo foi feito. Berta gritou desesperada, mas nada adiantou. Por um lado, Jana ficou com medo, mas desejou cada vez mais sua amiga. Finalmente os três ficaram sós novamente, porém desta vez o homem foi deixado para trás. Berta, com toda sua delicadeza, e o pouco de esperteza que tinha, falou que teria que ir embora. Suas pulseiras foram perdidas e não poderia continuar com aquilo. O homem ficou sem saber o que falar, mas teve que concordar com a mocinha. Sem as pulseiras não dá. Tudo pode, mas se não tiver as pulseiras para arrebentar nem estupro não serve.

quinta-feira, 20 de maio de 2010

Puta lembrança

Puta lembrança, por que insiste em rondar por aqui? Vai pra outro lado pairar na puta que te pariu, e se alguém lá encontrar, favor, mande um abraço.

Puta lembrança, não entendo o que faz aqui, se há muito já te mandei embora.

Nas velhas fotos, ou nas velhas memórias, oh, puta lembrança, vai correr rua.

Lembro, e lembrar não me faz bem, portanto, puta lembrança, só volte se me convém.

Puta lembrança tá de passagem, mas mesmo assim não gosto. Puta lembrança, por favor, vá embora.

Se eu digo que é melhor, tendes acreditar, é melhor que puta lembrança vá embora, se não com razão e com certeza vou me incomodar.

Duas jarras de vinho já foram suficientes; puta lembrança se achou no direito de voltar.

Se falo que é melhor ir embora, novamente digo: tendes acreditar.

Vá pastar no pasto do pastor pastel, puta lembrança.

Puta que o pariu, depois eu digo que não presta e ainda dizem que sou louco.

Tchau, puta lembrança. Nos vemos por ai.

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Passado, Presente e Futuro

Conversavam Passado e Presente. No centro das atenções estava o Futuro, mais especificamente a preocupação que ambos tinham com o Futuro. Em princípio, a conversa tinha aspecto rígido e áspero. Era sério. Mas foi inevitável, para eles, darem boas gargalhadas ao tempo que viam o futuro se aproximar. Tanto um quanto o outro exploravam suas vantagens, fazendo um show de exibicionismo para com o Futuro. O Passado, com toda sua experiência, se gabava por ser o mais velho entre os três e por ser tão lembrado. O Presente, por sua vez, não deixava de falar que ele era quem importava, afinal ele que fazia acontecer. A palavra agora ficava com Futuro, os dois outros se calaram, esperando o que tão jovial indivíduo teria a falar. Mas ele nada falou. Passado e Presente não hesitavam nas gargalhadas. Pobre Futuro. Pois foi então, após alguns minutos, que o mais jovem da turma coçou a garganta e iniciou: “bem, Passado. Eu o respeito por tua história, o respeito por tua idade, e principalmente o respeito por tua importância. Porém, o que passou, passou. Tu não passa de um rascunho, para que eu seja perfeito, como sou. Se tu às vezes traz lembranças, eu, toda hora trago expectativas.” E foi então que o Passado se calou, constrangido. A ousadia do Presente foi visível, afinal, era de fato sua característica mais marcante. Ousadia nas gargalhadas que soltava contra o Passado. Para surpresa de todos, o Presente não durou muito. O Futuro novamente se rebelou e proferiu ao nosso amigo: “ora, ora, Presente. És uma dádiva de Deus. És o que todos gostariam de ser; ousado, arriscado, emocionante, ágil. Não tem medo; faz e acontece. Porém, tua participação é tão mínima que poucos lembram de ti. Até o passado é mais importante. Passam por ti e nem reparam. Agem como se tu fosse apenas um intervalo entre Passado e eu, e nada mais. Tua importância é insignificante para as pessoas. Acredite, eu devo mais ao passado do que a ti.” Presente, por sua vez, calou-se. E o Futuro finalizou: “todos me dão mais importância do que realmente tenho, fazem expectativas que não deveriam existir, e nem por isso me gabo. Sou incerto, indeciso e às vezes até atrapalho, mas o mais importante é que eu sou fruto dos erros de vocês e, deste modo, trato de ajeitar todas as bobagens que vocês causam, portanto, eu sim tenho a importância que nenhum de vocês jamais terá.” Nada mais falaram, cada um foi para um lado e decidiram nunca mais se encontrar. O Passado continuou na lembrança, o Presente tentou ser mais importante, porém ainda ninguém ligava e o Futuro seguiu convivendo com os erros dos demais e carregando o peso de tanta expectativa nas costas. Alguns contam que anos mais tarde o Presente tentou suicídio, mas sem sucesso.

quinta-feira, 13 de maio de 2010

Me falta é simpatia

É interessante a relação da espécie humana. Juro que tento entender, mas a dificuldade é imensa. Já procurei, por vezes, algum cachorro que se desse o trabalho em ‘puxar o saco’ de algum outro da espécie, que não lhe convenha – leia-se: que não seja uma fêmea no cio. O homem é engraçado por um número n de motivos, nenhum deles é o senso de humor ou habilidade de contar piadas. O acho engraçado, ou melhor, nos acho engraçados por sermos tão falsos e agirmos de tantas formas sem necessidade. Falo do homem como ser e não gênero. Vejo por várias vezes a simpatia que toma conta dos inúmeros seres da espécie humana, o que acho? Bobagem. Ninguém tem coragem mais de ser arrogante, nem eu mesmo. Certo, alguns ainda mantém a coragem, e sinceramente os invejo. As pessoas só pensam na tal da etiqueta e educação, pois digo: pegue a primeira tesoura a vista e estraçalhe a puta da etiqueta.

A educação é interessante também, não deixa de ser. Abrir a porta à uma dama, dizer obrigado, por favor, enfim, agir cordialmente, mas sem falsidade. Foda-se a falsidade, digo eu. Não vejo motivo para cumprimentar o cara que comeu tua ex, só para ser bem quisto. Sendo que a única vontade é de triturar a jugular do indivíduo. Não entendo qual é o motivo de dizer “oi” pra puta que tanto odeia, foda-se a educação (nessas horas). Diga-se a verdade: mentir é bom, todos o fazem, isso é fato. Porém até a mentira tem limite, e utilizá-la para criar a imagem de bom (boa) moço (moça) é de mais.

Diariamente sou julgado e crucificado pela minha arrogância – e olha que nem me considero arrogante – mas em minha defesa, digo que apenas uso pouco de minha simpatia. Em tempos de crise, é bom poupar. Mais vale um filho da puta constatado, que um comedor da tua mãe disfarçado, penso eu. Pior que ser falso por costume, é quem clama por falsidade. Julgam-me por minha arrogância verdadeira, mas nada falam da simpatia falsa. Repito: é interessante a relação humana. Embora goste de ser arrogante, é difícil e insuportável não encontrar reciprocidade neste mundo. Tudo que vejo são sorriso e abanos cheios de falsidade. É pedir de mais que alguém me mande à merda? Vamos ser verdadeiros. A simpatia? Deixemos para os políticos. Nobres políticos.

domingo, 2 de maio de 2010

Aquele do Filho da Puta

Certo dia, decidi tornar-me algo que jamais fora. Melhor ainda, decidi intensificar uma atitude que por toda a vida preferi não tomar. Decidi ser um filho da puta. Pois neste dia, consegui por em ação o plano de não me importar com o que de fato, não me importa. Conheci um lado que punha a própria pessoa acima de tudo, e deixa de qualquer maneira o resquício de altruísmo que cai sobre mim. Então tomei como atitude não me importar com o que os outros pensassem. Apliquei ao máximo a teoria de que uma massa rochosa protegia-me de qualquer tipo de sentimento maleável. Calei em mim qualquer manifestação que me pusesse em desvantagem. Eis o novo eu.

O mais importante em conhecer uma nova faceta que poderia atuar, foi descobrir o fim, ou o quase fim da mesma. Durante muito tempo desdobrei-me para que todo meu planejamento fosse posto em prática. Planejamento mal feito, mal pensado, mas sob efeito de solução rápida e intrínseca. Tal qual acabara de chegar ao seu fim, pelo menos de forma parcial. Decisões na vida, por vezes devem ser feitas em frações de tempo. Tempo é interessante, querido quando está ao lado e odiado se jogar no time oposto. Pois bem, decidir deixar a faceta que só se importa consigo mesmo, não é uma decisão fácil, mas que precisa foi. O tempo é o mal de hoje. Talvez perca um pouco de uma personalidade. Talvez ganhe. O perigoso de deixar que as coisas voltem ao normal é que o toque de medo que já existiu torna-se presente novamente. Pode ser que essa pitada deixe tudo mais interessante. Impossível saber. Jazem palavras ocultas, entrepostas ou opostas. Jazem palavras oportunas e inimputáveis. Tornar-se-ão prósperas e reveladoras ou inertes.

Palavras pedidas, talvez não dessa forma. Mas da única forma que se pode fazer. Com um louco expelido e uma epifania tosca, mas diferente de qualquer outra. Tendes crer.